9 de jan. de 2010

Formação de Profissionais de Segurança Pública em Tempos de Democracia - 1a. Parte

O artigo que a seguir publicamos é de autoria de Pedro Paulo Sousa. Por se tratar de um texto relativamente extenso será publicado em duas partes. O autor é bacharel em Direito e Pós-grauando em Docência do Ensino Superior. Atualmente, é Diretor da Academia de Polícia Civil.


RESUMO: Este texto busca reunir e analisar um pouco do que andam dizendo ou escrevendo por aí a respeito da formação de profissionais de segurança pública. Considera o tema no contexto geral da educação brasileira. Discorre sobre o momento presente da educação em segurança pública e destaca o perfil acadêmico desses profissionais. Considera que, no atual estágio de democratização da sociedade brasileira, já é um bom começo partir da concepção de que o profissional de segurança pública não é, essencialmente, um aplicador da norma penal, muito menos da força, mas, acima de tudo, um garantidor dos direitos e liberdades até então conquistadas, ou seja, um privilegiado e especial promotor da cidadania.


PALAVRAS-CHAVE: Segurança Pública. Educação em Segurança Pública. Formação de Policiais Civis.


Introdução

Um dos maiores problemas da atualidade é, sem dúvida, a segurança pública, motivo de grandes preocupações por parte de autoridades e estudiosos. Um diagnóstico nacional desta realidade nem sempre é fácil de fazer. A Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), por meio do Sistema Nacional de Estatística de Segurança Pública e Justiça Criminal, produziu um relatório com base nas ocorrências registradas pelas Polícias Civis entre 2001 e 2005, chegando as seguintes conclusões:

1- Ocorreu uma queda contínua na incidência dos crimes violentos letais e intencionais; 2- A incidência de crimes violentos contra o patrimônio aumenta anualmente; 3- A incidência dos delitos envolvendo trânsito apresentou aumento, porém teve sua maior incidência em 2004; 4- A incidência dos delitos envolvendo drogas apresentou aumento, porém teve sua maior incidência em 2003.

Balestreri (2009) tem afirmado, sem meias palavras, que segurança pública no Brasil, nos últimos 40 anos, revelou-se uma verdadeira tragédia. Em face desse diagnóstico até hoje ninguém, de fora ou de dentro da área da segurança pública, se dispôs a contraditar o atual Secretario Nacional de Segurança Pública, numa espécie de admissão tácita de que esse diagnóstico cruel é totalmente verdadeiro.

Soares (2007), bem antes de Balestreri, já dizia que as polícias brasileiras são como “máquinas reativas”. E que de um modo geral, “elas são ineficientes na prevenção e na repressão qualificada, na investigação e na conquista da indispensável confiança da população”. Ao lado dessa realidade dramática ele relaciona ainda problemas ligados à corrupção e à brutalidade, à aversão a uma gestão racional e planejada, e afirma que as instituições policiais são constituídas por profissionais que não são apropriadamente qualificados e valorizados.

Bayle (2001), por sua vez, sustenta que as polícias ao invés de esperarem que os fatos se ajustem às suas organizações devem ser modificadas para o exercício da função preventiva. O paradigma da polícia preventiva em contraposição ao modelo reativo parece que ganha espaço nos meios acadêmicos, mas não é sem resistências, e precisa se estender ao dia-dia das polícias.

Enquanto as polícias não são reformadas tal como postula Bayle, o que resta fazer? No campo da formação dos profissionais de segurança pública o que é correto ou mais adequado? O que guarda maior sintonia com o atual estágio de democratização da sociedade? O que vai de encontro aos anseios da população? Há necessidade de mudança de rumo ou caminho adotado até agora é o melhor?


Educação ineficiente?

Entre os que se interessam efetivamente pelo tema da educação é comum admitir-se a insuficiência do sistema público de ensino brasileiro, restando evidente que o Estado ainda não conseguiu garantir em quantidade e qualidade o direito a educação aos brasileiros, enquanto requisito fundamental para a construção de um Brasil mais justo e mais democrático.

Ao analisar o sistema educacional brasileiro, amparada em pesquisa realizada junto a profissionais de educação de todo o Brasil, Zagury (2007) procura lançar luzes sobre as razões do alegado fracasso do ensino. Ela, contudo, prefere falar de ineficiência da educação em nosso país. E afirma que se atribuem culpas quase sempre calcadas em opiniões pessoais, impressões da verdade, e não em estudos. Ou seja, acha-se muito, mas pesquisa-se pouco.

Nóvoa (2000) lembra, entretanto, que as escolas valem o que vale a sociedade. E que, portanto, não seria correto sonhar com escolas extraordinárias, onde tudo funcionasse às mil maravilhas, numa sociedade onde nada funciona bem.


O tema da formação

A afirmativa de que a segurança pública está entre as maiores preocupações de governantes e especialista, acaba chamando atenção para o tema da formação dos profissionais que atuam na área. Não é de hoje que a educação é lembrada e apontada como essencial para tentar equacionar ou minimizar os problemas da área da segurança pública. Parece ganhar corpo cada vez mais a crença de que o instrumento fundamental para promover mudanças no comportamento daqueles que atuam na área de segurança pública é a educação, realizada pelas academias e traduzida em aperfeiçoamentos, especializações, treinamentos, seminários ou outras atividades pedagógicas.

Informações da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), do Ministério da Justiça, contudo, revelam que é comum encontrar profissionais de segurança pública no Brasil que passaram pouco tempo na Academia ou Centro de Formação. O mais grave, porém, é a constatação de que muitos outros, há mais de dez anos não participam de cursos de aperfeiçoamento ou outros situados no âmbito da chamada educação continuada.

No Estado do Pará não se tem notícia de estudos acerca do espaço temporal registrado entre a formação inicial e o retorno à Academia para um curso de atualização, por exemplo. Talvez aqui a situação seja mais grave e possivelmente supera os dez anos encontrados no âmbito nacional, dadas as condições particulares em termos de extensão territorial. Ou não. Só mesmo uma pesquisa esclareceria essa questão.

Por fim, caberia verificar também se a realidade presente na área de segurança pública no tocante a formação de seus profissionais pode ser entendido como um reflexo da realidade encontrada na educação em geral, se guarda mesmo com ela uma relação estreita.


Perfil educacional

Os cerca de 600 mil profissionais de segurança pública existentes no Brasil apresentam um perfil educacional preocupante. As três principais instituições assim se apresentam: 66,9% dos Policiais Civis, 83,4% dos Bombeiros Militares e 87,2% dos Policiais Militares não possuem curso de graduação superior.

Em se tratando de pós-graduação, no plano federal, a realidade até o ano de 2006, segundo dados da SENASP, era de que “apenas 2% dos cerca de 600 mil profissionais de segurança pública no Brasil possuíam especialização na área”. Entretanto, quando o assunto é analisado pela ótica das instituições em separado o quadro que se apresenta é o seguinte: “só 4% dos policiais civis, 2,1% dos bombeiros, 1,4% dos policiais militares e 0,25 dos guardas municipais tem curso de pós-graduação”.

No Estado do Pará, no tocante a graduação, observa-se sinais evidentes de mudanças, posto que, recentemente, no âmbito da Polícia Civil, os concursos públicos passaram a exigir graduação superior para todas as categorias - e não apenas para delegados - para ingresso na instituição.

No tocante a pós-graduação nota-se uma evolução a partir da criação da RENAESP em 2007. Mas não há estudos recentes que quantifique essa mudança. Ainda não dispomos de dados específicos sobre pós-graduação entre os profissionais de segurnça pública do Estado do Pará.



(Continua)

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